LUGARES | Os Sussurros do Guadiana: Contos da Candonga
Imagine o rio Guadiana serpenteando como uma fronteira natural, um local de separação e, simultaneamente, de ligação entre Portugal e Espanha nas décadas que antecederam o seu futuro partilhado na Europa.
Antes da integração europeia, esta região era palco de atividades clandestinas conhecidas como “candonga”, uma palavra que evoca um comércio informal e a iniciativa de indivíduos determinados. Eram os “aventureiros”, gente comum das vilas de Mértola, Alcoutim e Vila Real de Santo António, que navegavam nesta economia não oficial, tecendo as suas vidas ao ritmo das águas fronteiriças. O próprio rio Guadiana tornava-se assim uma personagem silenciosa desta história, testemunhando o fluxo e refluxo de mercadorias e de vidas através da linha divisória.
O termo “candonga”, no contexto da fronteira luso-espanhola antes da adesão à União Europeia, carece de uma definição direta nos materiais de pesquisa fornecidos. As aceções encontradas nos dicionários remetem para descrições físicas negativas, como “pessoa ou animal feio, de corpo malfeito” e “besta ou vaca velha, grande e malformada”.
A paisagem económica e social de Mértola, Alcoutim e Vila Real de Santo António antes da integração na União Europeia (ocorrida em 1986) era marcada por desafios e limitações que provavelmente impulsionaram o desenvolvimento da “candonga”.
Os tipos de mercadorias que eram tipicamente traficadas através da fronteira luso-espanhola do rio Guadiana antes da entrada conjunta na UE incluíam provavelmente bens de consumo com procura elevada e potenciais diferenças de preço ou disponibilidade entre os dois países. O café e o tabaco são especificamente mencionados como produtos centrais no contrabando na região do Minho e também em contextos gerais de contrabando.
A atividade da “candonga” teve um impacto social e económico significativo nas comunidades locais ao longo do rio Guadiana antes da entrada conjunta de Portugal e Espanha na União Europeia. Economicamente, em regiões como Mértola e Alcoutim, onde as oportunidades de emprego formal eram limitadas e a economia local podia ser frágil.
A entrada de Portugal e Espanha na União Europeia em 1986 teve um impacto profundo no movimento de “candonga” e na vida das pessoas envolvidas. Uma das consequências mais significativas foi a abolição das fronteiras internas entre os países membros, facilitando a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais. Este fim dos controlos fronteiriços internos eliminou a principal razão de ser da “candonga”, que se baseava nas restrições e nas diferenças económicas entre os dois lados da fronteira.
As histórias e os testemunhos que ilustram a realidade da “candonga” na região do rio Guadiana antes da integração europeia são essenciais para compreender a dimensão humana deste fenómeno.
A Candonga
O termo “candonga”, no contexto da fronteira luso-espanhola antes da adesão à União Europeia, carece de uma definição direta nos materiais de pesquisa fornecidos. As aceções encontradas nos dicionários remetem para descrições físicas negativas, como “pessoa ou animal feio, de corpo malfeito” e “besta ou vaca velha, grande e malformada”.
Esta disparidade sugere que a utilização da palavra “candonga” para descrever o comércio informal na região do Guadiana poderia ser uma expressão local, um uso metafórico do termo, ou talvez até uma designação pejorativa utilizada pelas autoridades ou por observadores externos para se referirem à atividade ou às pessoas envolvidas.
A ausência de uma definição clara nos documentos aponta para a necessidade de explorar o uso coloquial da palavra na região fronteiriça durante o período em questão. Em contraste, o termo “contrabando” é definido como uma atividade económica significativa na memória social da região do Minho, conforme se depreende do título da dissertação «Contrabando: indústria número um, à beira mar ou à beira Minho». Embora se refira a outra fronteira portuguesa, esta designação sublinha a importância económica que o comércio informal podia alcançar em regiões fronteiriças com escassas oportunidades. É plausível que “candonga” fosse um sinónimo local ou regional para “contrabando”, ou talvez um tipo específico de comércio informal praticado ao longo do Guadiana. A própria menção de “O contrabando e a fronteira” como tema de estudo académico confirma que o comércio não oficial era um aspeto relevante da vida fronteiriça entre Portugal e Espanha. A perceção histórica do rio Guadiana como um “río que sempre fOi porta franca para o mundo” pode ter contribuído para o desenvolvimento e a persistência do comércio informal nas suas margens, sugerindo uma tradição de movimento e troca que antecedeu controlos fronteiriços mais rigorosos.

A paisagem social e económica
A paisagem económica e social de Mértola, Alcoutim e Vila Real de Santo António antes da integração na União Europeia (ocorrida em 1986) era marcada por desafios e limitações que provavelmente impulsionaram o desenvolvimento da “candonga”.
Em Mértola, a densidade populacional em 1960 era semelhante à média do Alentejo, mas a região vinha perdendo habitantes desde então. Este despovoamento pode indicar uma escassez de oportunidades económicas locais.
Adicionalmente, a população ativa apresentava um nível de qualificação reduzido, o ambiente empresarial era frágil, e o setor terciário predominava, focado no apoio ao consumo. Um dos aspetos mais relevantes era a elevada taxa de desemprego, que afetava particularmente as mulheres e a faixa etária entre os 25 e os 49 anos.
Este cenário socioeconómico de Mértola antes da adesão à UE sugere que a dificuldade em encontrar emprego formal e a fragilidade da economia local terão criado fortes incentivos para que os indivíduos se envolvessem em atividades económicas informais, como a “candonga”, como forma de complementar o rendimento ou mesmo de garantir a sua subsistência.
A diminuição da população pode também refletir a busca por melhores oportunidades fora da região, tornando o comércio fronteiriço uma alternativa para aqueles que permaneceram. Em Alcoutim, a economia tinha sido historicamente baseada na agricultura de subsistência, o que, por si só, pode oferecer rendimentos limitados e sazonais.
Tal como Mértola, Alcoutim também enfrentou o problema do despovoamento e do envelhecimento da população nas décadas que antecederam a integração europeia. Embora o snippet se refira ao período pós-adesão (2001-2011), mencionando uma diminuição da população residente em Alcoutim, a tendência de saída de habitantes provavelmente já se manifestava antes da entrada na UE devido a oportunidades económicas limitadas.
A “candonga” poderá ter representado uma importante, ainda que informal, fonte de rendimento e acesso a bens para aqueles que permaneciam na região, numa altura em que a economia local não conseguia oferecer suporte total. A influência dos subsídios da UE, que aumentaram a redistribuição de riqueza em Alcoutim nos anos 80 e 90 , indica uma transformação significativa no panorama económico após a adesão.
No que concerne a Vila Real de Santo António, os materiais de pesquisa fornecem informações históricas e económicas mais gerais , mas carecem de detalhes específicos sobre as condições económicas e sociais pré-UE que expliquem diretamente o desenvolvimento da “candonga”.
O caráter permeável da fronteira do Baixo Guadiana, conforme salientado em , e a potencial marginalização das regiões fronteiriças devido à sua localização, terão criado um ambiente propício para atividades informais transfronteiriças como a “candonga”.
A facilidade de atravessar a fronteira e a necessidade de subsistência económica provavelmente se conjugaram para fomentar este fenómeno. A importância histórica de Mértola como porto fluvial envolvido no comércio global sugere uma tradição de movimento e troca que pode ter facilitado o desenvolvimento da “candonga”.

Os tipos de mercadorias
Os tipos de mercadorias que eram tipicamente traficadas através da fronteira luso-espanhola do rio Guadiana antes da entrada conjunta na UE incluíam provavelmente bens de consumo com procura elevada e potenciais diferenças de preço ou disponibilidade entre os dois países.
O café e o tabaco são especificamente mencionados como produtos centrais no contrabando na região do Minho e também em contextos gerais de contrabando.
O comentário de um residente do Algarve sugere um fluxo de diversos bens de Espanha para Portugal, motivado por necessidades não totalmente satisfeitas pelo mercado português. Em Campo Maior, outra região fronteiriça luso-espanhola, o café tornou-se o principal produto de contrabando, especialmente após a Guerra Civil Espanhola, devido à alta procura em Espanha.
Este mesmo documento refere que as mulheres se especializaram no contrabando de uma variedade de outros produtos. Esta informação sugere que o café terá sido um produto significativo na “candonga” ao longo do Guadiana, dada a proximidade e as condições económicas gerais.
A especialização das mulheres no comércio de outros bens indica uma possível diversidade de artigos traficados, que poderiam incluir têxteis, alimentos ou artigos mais pequenos e fáceis de esconder. O impacto da Guerra Civil Espanhola provavelmente se estendeu à fronteira do Guadiana, criando necessidades e oportunidades semelhantes para o comércio informal.
A menção de “cousas defesas” (bens proibidos) em também sugere que, para além de bens sujeitos a impostos, poderiam existir mercadorias cuja exportação era proibida por razões de segurança nacional ou defesa. No entanto, os materiais de pesquisa não fornecem uma lista exaustiva dos bens específicos traficados ao longo do Guadiana antes da entrada na UE.
É provável que a lista incluísse produtos básicos de consumo, potencialmente aqueles que eram mais caros ou mais difíceis de encontrar de um lado da fronteira, como café, tabaco, álcool, têxteis e pequenos artigos manufaturados.
As atividades dos «aventureiros individuais»
As atividades dos “aventureiros individuais” envolvidos na “candonga” ao longo do rio Guadiana antes da entrada na UE caracterizavam-se por métodos que evoluíram ao longo do tempo, passando de operações individuais de pequena escala para sistemas mais organizados.
Em Campo Maior, a “arte” do contrabando era frequentemente transmitida de geração em geração dentro de certas famílias. Após a Guerra Civil Espanhola, verificou-se um aumento significativo no número de pessoas envolvidas, com o surgimento de “contrabandistas-assalariados” que trabalhavam para empregadores.
A existência de rotas designadas, como a “Rota do Contrabandista” em Alcoutim e a “Grande Rota do Guadiana” , indica que havia caminhos bem conhecidos e frequentemente utilizados para este comércio informal, tanto por terra como pelo rio. A referência a um “cruzeiro no rio Guadiana – rota do contrabandista” sugere que estas rotas têm um significado histórico duradouro na memória local.
Os contrabandistas enfrentavam diversos desafios e perigos, incluindo a ameaça de prisão e violência por parte das autoridades fronteiriças. Existiam perceções diferentes sobre o comportamento dos guardas portugueses e espanhóis, com os “carabineiros” espanhóis a serem vistos como menos tolerantes e mais propensos à violência.
As tabernas serviam como importantes pontos de encontro tanto para contrabandistas como para guardas, o que sugere uma relação complexa que envolvia tanto a evasão como um certo grau de interação. A população local frequentemente apoiava os contrabandistas, vendo a atividade como uma forma honesta de ganhar a vida e, por vezes, elevando os contrabandistas à categoria de heróis locais. Este apoio da comunidade era provavelmente crucial para o sucesso da “candonga”, fornecendo aos contrabandistas informações, abrigo e um sentimento de comunidade.
A travessia do rio Guadiana era um elemento central nas rotas de contrabando. Embora os materiais de pesquisa não detalhem os tipos específicos de barcos utilizados para a “candonga” antes da UE, é razoável inferir que seriam embarcações pequenas e ágeis, capazes de navegar pelas águas do rio e de serem facilmente manobradas para evitar a deteção pelas autoridades.
A travessia podia ser feita de barco ou a nado, conforme mencionado em na descrição da “Rota do Contrabandista”.

A atividade da candonga
A atividade da “candonga” teve um impacto social e económico significativo nas comunidades locais ao longo do rio Guadiana antes da entrada conjunta de Portugal e Espanha na União Europeia.
Economicamente, em regiões como Mértola e Alcoutim, onde as oportunidades de emprego formal eram limitadas e a economia local podia ser frágil , a “candonga” representava uma fonte vital de rendimento e um meio de acesso a bens que poderiam ser mais caros ou menos disponíveis de um lado da fronteira. Para muitas famílias, o comércio informal podia ser a principal forma de subsistência ou um complemento essencial aos rendimentos da agricultura ou de outras atividades económicas precárias. Socialmente, a “candonga” estava muitas vezes integrada no tecido comunitário.
Em regiões fronteiriças, onde as relações e os laços sociais tendem a estender-se para além das fronteiras políticas, o comércio informal criava redes de interação e interdependência entre as comunidades portuguesas e espanholas.
A prática era frequentemente vista pela população local não como um crime, mas como uma atividade necessária e até legítima face às dificuldades económicas e às peculiaridades da vida numa região de fronteira. Em alguns casos, os contrabandistas eram admirados e até se tornavam figuras populares nas suas comunidades, reconhecidos pela sua astúcia, coragem e capacidade de superar as restrições impostas pela fronteira e pelas autoridades.
Este fenómeno contribuiu para a formação de identidades locais únicas, influenciadas pela proximidade e pela interação constante com a cultura do país vizinho. A “candonga” podia também fomentar um certo espírito de comunidade e solidariedade entre aqueles que nela participavam, criando laços baseados em riscos partilhados e na necessidade de apoio mútuo.
A relação entre os contrabandistas e as autoridades não era apenas de conflito; em alguns casos, existia um certo nível de conhecimento mútuo e até mesmo de conivência, como sugerido pela utilização das tabernas como pontos de encontro.
Entrada de Portugal e Espanha na Europa de 1986
A entrada de Portugal e Espanha na União Europeia em 1986 teve um impacto profundo no movimento de “candonga” e na vida das pessoas envolvidas.
Uma das consequências mais significativas foi a abolição das fronteiras internas entre os países membros, facilitando a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais. Este fim dos controlos fronteiriços internos eliminou a principal razão de ser da “candonga”, que se baseava nas restrições e nas diferenças económicas entre os dois lados da fronteira.
Com a integração no mercado único europeu, os bens tornaram-se mais facilmente acessíveis e os preços tenderam a convergir, reduzindo os incentivos para o comércio informal. A própria paisagem da fronteira mudou, com o abandono de postos fiscais, como mencionado em , que outrora simbolizavam a divisão e o controlo.
Para as pessoas que se dedicavam à “candonga”, a adesão à UE representou o fim de uma era. Alguns terão encontrado novas oportunidades económicas nos setores que se desenvolveram com a integração, como o turismo ou outros serviços.
A chegada de fundos estruturais da UE, como os mencionados em para Alandroal e em para Alcoutim, contribuiu para o desenvolvimento económico das regiões fronteiriças, criando novas perspetivas de emprego e investimento. No entanto, é provável que outros tenham sentido dificuldades em adaptar-se à nova realidade, especialmente aqueles que tinham dedicado a sua vida ao comércio informal e que possuíam poucas qualificações para outros tipos de trabalho.
A memória da “candonga” passou a fazer parte do património cultural da região, sendo hoje celebrada em eventos como o “Festival do Contrabando” em Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana. Este festival recria a atmosfera das décadas de 1930 e 1940, celebrando a história e a cultura da região fronteiriça e até construindo uma ponte pedonal temporária entre as duas localidades, simbolizando a união que substituiu a antiga divisão.
A “candonga”, que outrora foi uma atividade económica essencial para muitas famílias, transformou-se numa memória histórica, um testemunho da resiliência e da engenhosidade das comunidades fronteiriças antes do abraço europeu.
Histórias e testemunhos
As histórias e os testemunhos que ilustram a realidade da “candonga” na região do rio Guadiana antes da integração europeia são essenciais para compreender a dimensão humana deste fenómeno. Embora os materiais de pesquisa fornecidos não contenham relatos diretos de indivíduos envolvidos na “candonga” ao longo do Guadiana, a menção de “histórias da fronteira” em , no contexto do contrabando em Campo Maior, sugere que existem narrativas ricas e detalhadas sobre as experiências dos contrabandistas.
Estas histórias incluem aspetos como a organização das operações, os riscos e as recompensas, as dificuldades enfrentadas, a ética dentro da comunidade de contrabandistas e as relações, por vezes ambíguas, com as autoridades. A referência a um “cruzeiro no rio Guadiana – rota do contrabandista” com visitas a Alcoutim e Vila Real de Santo António indica que o tema do contrabando é explorado no contexto do turismo local, o que pode ser uma fonte de histórias ou informações históricas transmitidas oralmente ou através de guias locais.
A menção de “Contrabandistas, the border smugglers” em , num artigo sobre o Algarve, também aponta para a existência de relatos e memórias relacionadas com esta atividade na região. Para enriquecer a crónica, seria fundamental procurar ativamente por fontes de história oral, arquivos locais ou relatos históricos que contenham testemunhos de pessoas que viveram e participaram na “candonga” ao longo do rio Guadiana antes da integração europeia.
Estas vozes da margem do rio poderiam trazer uma perspetiva íntima e pessoal sobre as motivações, os desafios e o impacto desta atividade nas suas vidas e nas suas comunidades.
Conclusão
Em conclusão, a “candonga” na região do rio Guadiana antes da entrada de Portugal e Espanha na União Europeia representa um capítulo singular na história desta fronteira. Nascida da necessidade económica e moldada pelas condições específicas de uma área limítrofe, esta atividade informal deixou uma marca indelével nas comunidades de Mértola, Alcoutim e Vila Real de Santo António. O comércio clandestino não era apenas uma questão de transgressão da lei, mas sim uma resposta engenhosa às dificuldades económicas e às restrições impostas pela fronteira. As vidas dos “aventureiros” e das suas famílias estavam intrinsecamente ligadas aos “sussurros do Guadiana”, ao ritmo das suas águas e aos segredos das suas margens. A integração europeia, com a abolição das fronteiras internas e a criação de novas oportunidades económicas, pôs fim a esta era do comércio informal. No entanto, a memória da “candonga” perdura, transformada em património cultural e celebrada em eventos que unem as comunidades outrora separadas por uma fronteira económica. O que antes era uma necessidade é hoje recordado como um testemunho da resiliência e da identidade única desta região fronteiriça, um elo entre o passado e o presente, antes e depois do abraço europeu.