O rio Guadiana, uma artéria vital que atravessa Portugal e Espanha, desempenha um papel crucial nos ecossistemas e na economia das regiões que banha. Ao longo das últimas três décadas, este sistema fluvial tem sido palco de significativas transformações, influenciadas por fenómenos climáticos extremos, pelo desenvolvimento de infraestruturas hídricas e por crescentes preocupações ambientais.
A irregularidade natural do seu curso, marcada pela alternância entre períodos de seca severa e cheias copiosas, tem sido amplificada pelas pressões humanas, exigindo uma gestão cada vez mais complexa e atenta. Este relatório visa apresentar um panorama dos acontecimentos mais importantes que moldaram o rio Guadiana entre 1995 e 2025, explorando as suas vicissitudes climáticas, o impacto da construção de barragens, as iniciativas de gestão e conservação, os problemas de poluição e as mudanças visuais que o caracterizaram.
A recente decisão do Algarve de considerar o uso do Guadiana para mitigar a seca ilustra a sua importância contínua e os desafios persistentes na gestão dos recursos hídricos. Adicionalmente, a concretização do antigo desejo de restaurar a navegabilidade na foz do rio demonstra um esforço de longa data para valorizar o potencial do Guadiana.
Estes exemplos iniciais sublinham que o rio Guadiana não é apenas um elemento geográfico, mas sim uma entidade dinâmica cuja gestão e saúde são temas de constante atenção e esforço por parte de ambos os países que o partilham. A sua natureza transfronteiriça implica uma necessidade de cooperação, que por vezes envolve negociações complexas entre Portugal e Espanha relativamente à sua utilização e gestão.

Os Extremos do Clima: Secas e Cheias (1995-2025)
Principais Períodos de Seca
O rio Guadiana e a sua bacia hidrográfica têm sofrido vários períodos de seca significativos nos últimos 30 anos. No verão de 1995, registou-se uma seca particularmente severa, com relatos de que o rio chegou a secar no seu curso em Medellín.
Este evento sublinhou a vulnerabilidade do rio a períodos prolongados de escassez de precipitação. A situação dos «Ojos del Guadiana», o local tradicionalmente considerado como a nascente do rio, também ilustra os desafios da seca. Estes olhos secaram completamente em 1986, e a água só reapareceu de forma intermitente entre 2012 e 2016.
Este fenómeno prolongado evidencia o impacto a longo prazo da escassez de água na região do Alto Guadiana, fortemente ligada à sobre-exploração de águas subterrâneas.
Mais recentemente, a preocupação com a seca persistiu, como demonstrado pela redução das dotações de regadio em 2023 e pela criação de uma Comissão Permanente de Seca pela Confederação Hidrográfica do Guadiana em 2024.
A disponibilidade de relatórios anuais de seca por parte desta confederação reforça a ideia de uma monitorização contínua e da preocupação com a gestão da água em cenários de escassez.
A análise dos principais eventos climáticos revela um padrão cíclico de seca e cheia na bacia do Guadiana, com eventos significativos a ocorrerem aproximadamente a cada década nos últimos 30 anos, como a seca de 1995, a cheia de 1997 e a cheia de 2010, bem como um período prolongado de seca a partir de cerca de 2012.
Principais Eventos de Cheia
Em contraste com os períodos de seca, a bacia do Guadiana também tem sido afetada por cheias significativas. Em novembro de 1997, ocorreu uma cheia notável que afetou várias áreas, incluindo Valverde de Leganés, onde causou vítimas mortais e danos materiais consideráveis, e a zona do Caia.
Registos históricos também mencionam uma cheia em Medellín no mesmo mês. Mais tarde, em fevereiro de 2010, verificou-se a maior cheia do século XXI até então, com impacto significativo em Medellín devido a fortes chuvas e descargas de reservatórios.
A ocorrência de uma cheia em Valverde de Leganés em novembro de 2024, embora sem detalhes na informação disponível, sugere a vulnerabilidade contínua de certas áreas a eventos de inundação. Em resposta a estes riscos, foram desenvolvidos planos de gestão do risco de inundação para a parte espanhola da bacia e realizada uma avaliação do risco de inundação em 2012, indicando uma abordagem proativa para compreender e mitigar os impactos das cheias.
As atividades humanas, especialmente a extração de água e a gestão de barragens, podem intensificar os efeitos da variabilidade climática natural, potencialmente levando a secas mais severas ou a padrões de cheias alterados. Por exemplo, a seca dos «Ojos del Guadiana» está ligada à sobre-exploração de águas subterrâneas, e a cheia de 2010 em Medellín foi parcialmente atribuída a descargas de reservatórios. No entanto, existe também um crescente reconhecimento e esforço para gerir os riscos de inundação na bacia do Guadiana, como demonstrado pelo desenvolvimento de planos e avaliações de gestão de riscos de inundação.
Tabela 1: Principais Eventos de Seca e Cheia na Bacia do Rio Guadiana (1995-2025)
Tipo de Evento | Ano(s) | Localidades Mais Afetadas | Principais Impactos/Consequências | Referências |
Seca | 1995 | Medellín | Rio secou no seu curso | 3 |
Seca Prolongada | 1986-2012/2016 | Ojos del Guadiana | Seca da nascente do rio | 4 |
Seca | 2023 | Campo de Calatrava | Redução das dotações de regadio | 8 |
Seca | 2024 | Bacia do Guadiana | Criação de Comissão Permanente de Seca | 9 |
Cheia | 1997 | Valverde de Leganés, Caia, Medellín | Mortes, danos materiais, aumento do caudal | 3 |
Cheia | 2010 | Medellín | Maior cheia do século XXI até então | 3 |
Cheia | 2024 | Valverde de Leganés | Inundação (detalhes não especificados) | 9 |
Aproveitando o Fluxo: O Impacto das Barragens
Construção de Grandes Barragens (1995-2025)
A gestão dos recursos hídricos do rio Guadiana tem sido fortemente influenciada pela construção de barragens ao longo do seu curso. Um dos projetos mais significativos neste período foi a conclusão e os primeiros anos de operação da Barragem de Alqueva, em Portugal. O fecho oficial das comportas ocorreu em 2002, marcando o início do enchimento da albufeira, e a central elétrica foi inaugurada em 2004.
Adicionalmente, foi construída a Barragem de Pedrógão, inaugurada em 2006, como um contra-embalse de Alqueva . Outras barragens foram também inauguradas na bacia do Guadiana durante este período, como Alcollarín (inaugurada em 2015), Búrdalo e Villalba de los Barros em Espanha, embora as datas exatas não estejam claramente definidas nas informações disponíveis.
É importante notar que já existia um número considerável de barragens na parte espanhola da bacia antes deste período, com cerca de 60 barragens a controlar uma parte significativa do fluxo do rio. A construção de Alqueva, sendo a maior barragem da Europa Ocidental, representa um marco importante na história recente do Guadiana, com consequências de longo alcance para a sua hidrologia, ecologia e as regiões circundantes.
Benefícios Previstos
O principal objetivo destas barragens tem sido o desenvolvimento hidroagrícola, através do fornecimento de água para irrigação, e a produção de energia hidroelétrica. A Barragem de Alqueva desempenhou um papel fundamental na transformação da agricultura na região do Alentejo, em Portugal, ao fornecer uma fonte de água fiável para a irrigação. Barragens como Alqueva e Cijara também possuem uma capacidade significativa de geração de energia hidroelétrica, contribuindo para o abastecimento energético. A capacidade de geração de Alqueva é de 520 MW e a de Cijara é de 102,3 MW.
Impactos Observados
Apesar dos benefícios previstos, a construção de barragens no rio Guadiana também teve consequências ambientais negativas. A Barragem de Alqueva, em particular, tem sido apontada como responsável pelo desaparecimento de espécies de peixes migratórios, como a lampreia, a enguia e o sável, ao atuar como uma barreira intransponível.
Verificou-se também um aumento nos níveis de salinidade das águas do Guadiana a jusante de Alqueva, afetando a qualidade da água para abastecimento e irrigação, e potencialmente prejudicial para os peixes de água doce .
A retenção de sedimentos pelas barragens também tem causado preocupações, com a redução drástica do transporte de sedimentos a impactar a estabilidade das margens do rio, a foz do Guadiana e as praias de Huelva. Além disso, a grande massa de água criada por albufeiras como a de Alqueva pode levar a um aumento da evaporação, resultando em perdas de água.
A interrupção do fluxo natural do rio também afeta o processo de depuração natural, levando à acumulação de poluentes nas albufeiras.
A construção de Alqueva, sendo a maior barragem da Europa Ocidental, representa um marco importante na história recente do Guadiana, com consequências de longo alcance para a sua hidrologia, ecologia e as regiões circundantes.
O crescente número de barragens na bacia do Guadiana, particularmente em Espanha, tem alterado progressivamente o regime de fluxo natural e o transporte de sedimentos do rio, sendo Alqueva a mais recente e talvez a mais impactante adição a esta tendência.
Tabela 2: Principais Barragens Construídas ou Inauguradas na Bacia do Rio Guadiana (1995-2025)
Nome da Barragem | Localização (País) | Ano de Inauguração/Conclusão | Propósito Primário | Impactos Chave (Positivos/Negativos) | Referências |
Alqueva | Portugal | 2002 (fecho das comportas), 2004 (central elétrica) | Hidroagrícola (irrigação), Energia (hidroelétrica) | + Irrigação no Alentejo, produção de energia; – Desaparecimento de peixes migratórios, aumento da salinidade, redução do transporte de sedimentos, acumulação de poluentes | 16 |
Pedrógão | Portugal | 2006 | Contra-embalse de Alqueva | + Regulação do fluxo a jusante de Alqueva | 16 |
Alcollarín | Espanha | 2015 | Regadio | Informação limitada nos snippets | 19 |
Búrdalo | Espanha | Desconhecido (após 2010) | Desconhecido | Informação limitada nos snippets | 19 |
Villalba de los Barros | Espanha | Desconhecido (após 2010) | Desconhecido | Informação limitada nos snippets | 19 |
Gerindo um Recurso Precioso: Gestão e Conservação da Água
Ao longo das últimas três décadas, várias iniciativas de gestão da água e conservação ambiental foram implementadas na bacia do Guadiana. Um projeto notável foi a restauração da navegabilidade na foz do rio, uma colaboração entre Portugal e Espanha com o objetivo de promover o desenvolvimento económico e o turismo na região.
No âmbito da gestão da água, foi criada uma Comissão Permanente de Seca para propor medidas em resposta a períodos de escassez, e foram desenvolvidos planos de gestão do risco de inundação para mitigar os impactos das cheias. Programas de educação ambiental têm sido implementados para sensibilizar a população para a importância da preservação do rio e promover a sua proteção.
Esforços significativos têm sido dedicados ao controlo de espécies invasoras, como o nenúfar mexicano (Nymphaea mexicana) e o camalote (Eichhornia crassipes), que têm causado problemas ecológicos, especialmente na área de Badajoz. Estes esforços incluem projetos de dragagem em Badajoz para remover estas plantas invasoras.
A gestão dos recursos hídricos também envolve a aprovação de dotações de regadio, particularmente importante em contextos de seca. Mais recentemente, a região do Algarve considerou a possibilidade de utilizar água do Guadiana para combater a seca, demonstrando a relevância contínua do rio para as necessidades regionais.
A gestão da água na bacia do Guadiana nos últimos 30 anos tem-se focado cada vez mais em responder aos desafios colocados pela variabilidade climática e pelos impactos ecológicos das intervenções humanas. Existe um reconhecimento crescente da necessidade de cooperação binacional entre Portugal e Espanha na gestão dos recursos partilhados do rio Guadiana, como se observa no projeto de navegabilidade.
A abordagem à gestão da água parece estar a evoluir de um foco primário na exploração de recursos para uma abordagem mais integrada que inclui conservação, gestão de riscos e considerações ecológicas.
Preocupações Ambientais: Poluição e Outras Questões
O rio Guadiana tem enfrentado vários problemas ambientais significativos nas últimas três décadas. A proliferação de espécies invasoras, nomeadamente o nenúfar mexicano e o camalote, tem sido uma preocupação constante, afetando o ecossistema do rio, especialmente na área de Badajoz.
Estas plantas formam densas camadas na superfície da água, impedindo a passagem da luz solar, reduzindo os níveis de oxigénio e prejudicando a biodiversidade e a qualidade da água, além de dificultarem a navegação.
Um estudo realizado entre 2009 e 2018 sobre os contaminantes na bacia do Guadiana revelou a presença de vários poluentes provenientes de fontes pontuais (descargas urbanas e industriais) e difusas (agricultura).
O estudo identificou excedências dos padrões de qualidade ambiental para certas substâncias, indicando problemas de poluição. O aumento dos níveis de salinidade a jusante da Barragem de Alqueva também é uma forma de poluição que afeta a qualidade da água e os ecossistemas.
A acumulação de poluentes a montante das barragens, devido à interrupção do fluxo natural do rio e dos seus processos de purificação é outra preocupação ambiental.
Historicamente, a seca dos «Ojos del Guadiana» levou a incêndios em turfeiras, um grave problema ambiental com impactos ecológicos a longo prazo.
O rio Guadiana enfrenta desafios significativos de poluição de múltiplas fontes, incluindo escoamento agrícola, descargas urbanas e industriais e a introdução de espécies invasoras, indicando a necessidade de esforços abrangentes e sustentados para melhorar a qualidade da água.
Projetos de grande escala, como a Barragem de Alqueva, podem ter consequências ambientais complexas e não intencionais, como o aumento da salinidade e a alteração da dinâmica de poluentes, sublinhando a importância de avaliações de impacto ambiental rigorosas e de uma monitorização contínua.
A seca dos «Ojos del Guadiana» e os incêndios resultantes representam um caso grave de degradação ambiental com impactos ecológicos a longo prazo, realçando a vulnerabilidade das cabeceiras do rio à escassez de água e a práticas insustentáveis.
Visualizando o Passado e o Presente
Fotografia Antiga (Espanha)
Com base nos resultados da pesquisa de imagens 30, uma fotografia antiga apropriada para representar o rio Guadiana em Espanha poderia ser uma imagem da Ponte Romana em Mérida. Esta ponte histórica, construída durante o Império Romano, atravessa o rio Guadiana e representa um marco importante na história da região. Uma fotografia de antes de 1995 mostraria provavelmente a ponte e o rio num contexto possivelmente diferente do atual, talvez com níveis de água distintos ou com menos desenvolvimento urbano nas suas margens. Mérida, com a sua rica herança romana, oferece um cenário significativo para ilustrar a longa história da interação humana com o rio Guadiana em Espanha.
Fotografia Moderna (Portugal)

Uma Cronologia de Transformação: Principais Acontecimentos (1995-2025)
- 1995: Severa seca no verão, com o rio a secar em Medellín 3.
- 1997: Cheia significativa em novembro, afetando Valverde de Leganés e Medellín 3.
- 2002: Fecho oficial das comportas da Barragem de Alqueva 16.
- 2004: Inauguração da central elétrica da Barragem de Alqueva 16.
- 2006: Inauguração da Barragem de Pedrógão 16.
- 2009-2018: Estudo sobre contaminantes na bacia do Guadiana 29.
- 2010: Maior cheia do século XXI até então, afetando Medellín em fevereiro 3.
- 2012: Realização da Avaliação Preliminar do Risco de Inundação na Demarcação Hidrográfica do Guadiana 13.
- 2015: Inauguração da Barragem de Alcollarín 19. Conclusão do projeto de navegabilidade do rio Guadiana 2.
- 2022-2027: Implementação do Plano de Gestão do Risco de Inundação da parte espanhola da bacia do Guadiana 9.
- 2023: Redução das dotações de regadio no Campo de Calatrava devido à seca 8.
- 2024: Criação de Comissão Permanente de Seca pela Confederação Hidrográfica do Guadiana 9. Consideração do uso do rio Guadiana pelo Algarve para combater a seca 1. Cheia em Valverde de Leganés em novembro 9.
A análise cronológica dos eventos revela a recorrência de fenómenos climáticos extremos, como secas e cheias, ao longo das últimas três décadas. Observa-se também um período de desenvolvimento de infraestruturas hídricas, nomeadamente a construção e entrada em operação de grandes barragens como Alqueva. Paralelamente, surgem iniciativas de gestão e conservação da água, bem como a identificação e o estudo de problemas ambientais como a poluição e as espécies invasoras.
Conclusão: Refletindo sobre a História Recente do Guadiana
Os últimos 30 anos testemunharam transformações significativas no rio Guadiana, moldadas pela interação complexa entre a variabilidade climática natural e as atividades humanas. A ocorrência de secas severas e cheias impactantes sublinha a natureza dinâmica e por vezes imprevisível deste sistema fluvial. A construção de grandes barragens, em particular a de Alqueva, trouxe benefícios consideráveis em termos de desenvolvimento agrícola e produção de energia, mas também gerou impactos ambientais negativos que exigem atenção contínua. As iniciativas de gestão da água e conservação ambiental refletem uma crescente consciencialização sobre a necessidade de equilibrar o aproveitamento dos recursos hídricos com a proteção dos ecossistemas. No entanto, persistem desafios significativos relacionados com a poluição, as espécies invasoras e os efeitos das alterações climáticas. A história recente do rio Guadiana é uma de progresso na utilização e gestão dos recursos hídricos, mas também de desafios persistentes relacionados com as alterações climáticas, os impactos das barragens e a poluição, realçando as complexidades da gestão de um rio transfronteiriço vital num mundo em mudança. A cooperação contínua entre Portugal e Espanha, juntamente com uma gestão responsável e informada, será fundamental para garantir a sustentabilidade e a saúde do rio Guadiana para as futuras gerações.