Destaque

Gradiva despediu-se dos leitores

Após 45 anos a moldar o panorama editorial português, o fundador da icónica editora passa o testemunho a Manuel S. Fonseca, garantindo a continuidade de um projeto que marcou gerações de leitores com a divulgação científica e a ficção de prestígio.

Lisboa – Guilherme Valente, a figura incontornável por trás da Gradiva, anunciou a sua jubilação 45 anos após ter fundado uma das mais influentes editoras portuguesas. Num movimento que visa assegurar o futuro e a identidade da marca, a gestão da Gradiva será integrada no projeto editorial da Guerra e Paz, liderado por Manuel S. Fonseca.

Figura central da edição em Portugal, Guilherme Valente foi o arquiteto de um catálogo multifacetado que se destacou em duas frentes aparentemente distintas, mas unidas pelo rigor e pela qualidade. Por um lado, criou um fenómeno de divulgação científica com coleções como a “Ciência Aberta”, que, segundo o comunicado, “despertou vocações e fez nascer cientistas”. Por outro, afirmou-se como um editor de referência na ficção, publicando autores como o Nobel da Literatura Kazuo Ishiguro e Ian McEwan.

O seu trabalho foi igualmente decisivo na valorização do pensamento e da cultura em língua portuguesa. Valente dedicou-se a reunir e recuperar a obra completa de ensaístas como Eduardo Lourenço e António José Saraiva, e mais recentemente do italiano Umberto Eco. Foi também o editor que identificou o potencial de José Rodrigues dos Santos, publicando o autor que se tornaria um dos maiores fenómenos de vendas do país e um “esteio de duas décadas da vida editorial portuguesa”.

Na nota de imprensa, Valente justifica a sua decisão com a idade e o atual contexto cultural. “Se eu tivesse menos 10 anos veria seguramente a crise que vivemos – crise de cultura, de conhecimento, de exigência intelectual (…) – como um desafio”, afirma. “Hoje vejo-a como uma razão reforçada para entregar o bastião do que fizemos na Gradiva a quem reúne condições de talento, entusiasmo e, digamos, vitalidade, para prosseguir o mesmo combate e os mesmos ideais.”

A escolha recaiu sobre Manuel S. Fonseca, a quem Valente descreve como “um Amigo que é um Editor, um dos raros a quem atribuo esse título e essa dignidade”. A transição, garante, será feita “sem solução de continuidade”, mantendo a essência do projeto e contando com elementos-chave da equipa que o ajudou a construir a Gradiva.

Manuel S. Fonseca, editor da Guerra e Paz, encara o desafio como “um sonho” e uma “responsabilidade hercúlea”. Citando o escritor americano Delmore Schwarz – “Nos Sonhos Começam as Responsabilidades” –, Fonseca assume publicamente o compromisso de “manter a identidade da Gradiva como uma casa editorial de referência”. Promete ainda ser fiel ao espírito inovador de Valente, procurando “fazer nascer novos projectos editoriais” com o mesmo arrojo que caracterizou o seu antecessor.

O acordo formal que entregará a gestão da Gradiva à Guerra e Paz será oficializado em breve. Com este passo, Guilherme Valente procura garantir que o património literário e científico que edificou continue a ser um agente criativo e relevante na paisagem cultural portuguesa, preservando o legado junto dos seus autores e dos milhões de leitores que a editora conquistou ao longo de quase meio século.

Alcoutim
Mostrar mais
Back to top button